Sendo
a Umbanda uma religião de matriz africana, é evidente que sua prática está
repleta da cultura negra que chegou ao Brasil durante o período da escravidão.
O tambor era tão, ou mais, importante do que outros utensílios que garantiam a
sobrevivência dos povos. De modo geral, era um instrumento utilizado em diversas
atividades, mesmo as “não-religiosas”. Cerimônias políticas, cívicas, festejos
e principalmente as guerras, aconteciam sempre ao som do tambor. Inclusive este
foi um dos motivos que levou à corte portuguesa proibir seu uso no período
colonial, pois o som dos tambores era uma forma de reunir os negros
escravizados e o medo dos senhores proprietários de escravos quanto a um
levante contra a opressão escravista transformou o uso dos tambores em crime
cuja pena era a morte.
O
Atabaque é o principal representante desta manifestação cultural e religiosa.
Seu nome é de origem árabe (at-tabaq = prato) e há registros milenares de seu
uso, inclusive no Antigo Testamento – Macabeus
9-39. Mas não se sabe ao certo quem inventou este que é tido como
verdadeiro instrumento musical de percussão que “fala”. Seu som é condutor do
AXÉ (energia vital dos Orixás), o couro e a madeira vibrando em conjunto com as
palmas e as vozes dos crentes, formam os chamados Pontos Cantados, autênticas
sinfonias sagradas sem partitura responsáveis pela harmonia dentro do terreiro
e que auxiliam tanto nos processos mentais de indução mediúnica como também na
dissipação de energias indesejáveis no ambiente.
Conforme
relata o sacerdote e estudioso Alexandre Cumino: “O som grave da percussão de
couro, trabalha o nosso chacra básico e a energia da terra, o que ajuda o
médium a sintonizar com uma força primordial e a relaxar a mente. Voltando-se a
terra, a cabeça para um pouco de pensar e atrapalhar o processo mediúnico. Para
cada momento do ritual há uma música ou um Ponto adequado a ser cantado e
tocado.” Notamos aqui o quanto é importante a música sacra para se realizar
Umbanda. Muito mais do que simplesmente embelezar ou enriquecer seu ritual, o
canto e o ritmo constituem imprescindíveis fundamentos do culto aos Orixás. Não
é por acaso que existe o ditado: umbandista não ora, canta! Realmente é por
meio dos cantos que louvamos, agradecemos e pedimos ao Criador Supremo (Zambi),
a seus Santos Orixás e aos Guias de Luz que atuam na espiritualidade. Felizes
aqueles que podem presenciar o momento da Abertura dos Trabalhos em um Gira,
onde são executados os principais Pontos cantados e tocados de Umbanda,
verdadeiras orações que, devido a sua graça e singeleza, nos ensinam linda
lições de vida e nos religam ao sagrado. Não é raro, irmãos, irmãs ou
simpatizantes que frequentam os centros de Umbanda receberem suas graças ou sua
“iluminação”, até mesmo uma cura espiritual ou física enquanto esses Pontos
estão soando pelo ambiente.
As pessoas responsáveis pelos toques dos
atabaques e por “puxar” as letras e as melodias dos Pontos Cantados, recebem o
nome de Ogãs. Também é considerada uma forma de mediunidade e sacerdócio dentro
do terreiro. O grupo de Ogãs e seus diversos instrumentos musicais – além dos
atabaques, utilizam-se o agogô, o pandeiro, o ganzá, o chocalho, o berimbau,
etc. – recebem o nome de Curimba. Apesar de existir diferenças nos aspectos
formais de um templo para outro, no jeito de se fazer a Curimba, ela é
responsável, junto com o Babá (chefe espiritual do terreiro) pela manutenção da
boa vibração e sustentação do AXÉ da corrente de médiuns e seus auxiliares
desde o início até o fim dos trabalhos ritualísticos. Favorece ainda que os
consulentes absorvam melhor as energias renovadoras do plano espiritual,
dispersa os fluídos negativos, os miasmas e contribui para que todos fiquem
focados nos trabalhos.
Entendemos,
portanto, que a afinidade musical da Umbanda é, além de histórica, sagrada. Ou
seja, o som, o ritmo e a música correm nas veias do chamado Povo do Axé graças
às suas origens africanas e também à maneira de se cultuar os Orixás. Axé!
Gustavo
C M Souza, é bacharel em História pela USP e dirigente do Centro Espírita de
Umbanda Ogum Sete Espadas
Para
saber mais:
Livro:
ABC do Ogã, o valor da Curimba na
Umbanda – Severino Sena, editora Madras
Contato:
Mais um ótimo artigo Pai Gustavo!
ResponderExcluirÉ praticamente impossível não sentir o axé durante uma gira quando o som dos atabaques(e demais instrumentos), das palmas e cantos ecoam.
São eles que nos mantém concentrados e nos ditam a sequência dos trabalhos.
Pena que muitos não compreendem e julgam que se trata de baderna...barulhos...e não se atentam a sentir a força que a musicalidade proporciona.
Um grande abraço deste filho de fé!
Axé sempre!